Meia volta, volver

Alexandre Botão
4 min readJul 23, 2015

A quatro dias do fim dos Jogos Pan-Americanos, a delegação brasileira segue atrás de um bocado de medalhas de ouro porque, hoje, estamos um bocado de medalhas de ouro atrás do melhor desempenho em Pans, há quase uma década, no Rio. Aos interessados em se engajar num Kickstarter motivacional, são umas 20 de diferença, mais ou menos. Cooperem, vamos precisar.

O Pan é uma farra, ok. A depender da modalidade, o Brasil despacha uma mescla dos times A, B e C, — e, em alguns casos, até F ou G — eis o vôlei de praia bronzeando a tese. Mas essa pândega é para todo mundo — pan-americana, como o nome denuncia. Só quem leva o Pan a sério são Fidel Castro, David Robinson e o país anfitrião.

Pena que, como anfitriões, coxeamos também. Os canadenses, que, nas últimas três Olimpíadas, ficaram atrás do Brasil em duas, somam, a essa altura dos Jogos em casa, 64 medalhas de ouro e 173 no total. Nós, quando jogamos em casa, em 2007: 52 de ouro e 157 no geral. E Toronto ainda tem 96 horas de vida. No domingo, há de se ter uma noção exata da diferença entre planejamento e “muito orgulho e muito amor”.

Essa praga matemática que evidencia a estagnação só começa a se manifestar agora porque a falsa polêmica da continência militar no pódio consumiu a primeira metade do Pan. Do nada, como soldadinhos de chumbo, judocas e nadadores se enfileiraram a prestar continência sem razão aparente. O Ministério da Defesa desembarcou nas redes sociais para aumentar a fervura da bobagem e fez-se a luz do debate inócuo.

Conspirou a favor (contra, dependendo do objetivo) o discurso dos atletas-“militares” e dos militares-militares na tentativa de explicar o que não precisava ser explicado. As Forças Armadas dão salário, comida e roupa lavada; os atletas retribuem o gesto… gestualmente. O brigadeiro Carlos Amaral, diretor do Departamento de Desporto Militar do Ministério da Defesa, por exemplo, jurou que não houve recomendação à meninada para que batesse continência. “Mas fiquei emocionado quando vi o (judoca) Charles Chibana. De casa, bati continência para ele”, disse ao Uol.

A cena do brigadeiro Amaral, de pantufas e bermuda, em casa, batendo continência para a televisão, às lágrimas, causa mais constrangimento do que revolta, se o drama era supostamente esse. O que torna mais descabido o esforço dos atletas em remendar a situação como se fôssemos uma população formada por variações do Recruta Zero e do Sargento Pincel. A judoca Mayra Aguiar, por exemplo, costurou lógica própria:

“Estou desde 2010 no Exército, e isso é uma coisa que fazemos no pódio desde então”.

Possível e improvável: a própria Mayra esqueceu a continência quando ganhou ouro no Mundial do ano passado. Dias mais tarde, a pentatleta Yane Marques, bronze em Londres-2012 e ouro no Pan, também reposicionou o braço de um pódio para outro. Em entrevista há quatro meses, Yane já havia mordido a isca:

“O apoio das Forças Armadas tem caráter de patrocínio para a gente”.

É bom que tenha, porque custa uma graninha aos cofres públicos. O gasto das Forças Armadas com os atletas bate na casa dos R$ 40 milhões ao ano — parte desse valor dividido entre os ministérios da Defesa e do Esporte. Nada, quando comparado ao orçamento anual da pasta, na casa dos bilhões de reais. Quase nada, quando se resgata a frase do general Maynard Marques de Santa Rosa, ex-secretário de Política e Assuntos Internacionais do Ministério da Defesa, que se tornou um clássico nacional em 2012: “Posso lhe afirmar que temos munição para menos de uma hora de combate”, admitiu, em referência ao sucateamento do Exército.

Quando o Pan se encerrar, a menos de 400 dias para os Jogos do Rio, veremos a quem a controvérsia à fantasia serviu com mais eficácia. E, mais importante que isso, para quantas horas de combate teremos munição nas Olimpíadas. É de se desconfiar que estejamos em situação similar à do Exército Brasileiro. Avisei, falsa polêmica: a tal continência militar fará ainda mais sentido.

Esta coluna é originalmente publicada às quintas no Correio Braziliense

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Alexandre Botão
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Written by Alexandre Botão

Two decades of hardcore journalism in a past life; now Digital Media PhD candidate @ University of Porto, coffee taster and vinyl aficionado

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