O Mengão da Leda Nagle no país dos bons reservas

Alexandre Botão
3 min readApr 21, 2015

Control cê nos nomes abaixo, control vê no Bloco de Notas: Pará, Bressan, Wallace, Márcio Araújo, Alecsandro, Rodrigo, Christiano, Serginho, Rafael Silva, Marcinho, Renan Fonseca, Carleto, Marcelo Mattos, Willian Arão, Bill, Wellington, Marlon, Giovanni, Edson e Wagner. A lista exclui, com igual sabedoria, jovens promessas — Gerson e Kenedy (Flu) — , bem como atletas que dificilmente atuariam em clube de meio de tabela do futebol candango — Pimpão (Bota) e Pico (Fla).

Pico, diga-se, desperta interesse científico. O único lateral do mundo que, na esquerda ou na direita, parece sempre estar “num barato que não é o dele”, como costuma versar o locutor esportivo José Carlos Araújo.

Coisa de duas semanas, José Carlos Araújo celebra 75 anos de vida, mais de meio século dedicado às transmissões de jogos de clubes cariocas no rádio. Além do “barato que não é o dele”, são de sua autoria expressões como “apontou, atirou, entrou”, “voltei” e, claro, “o Mengão da Leda Nagle”, vocativo militante que encarna demais variações ao substituir o Flamengo por Vasco, Botafogo ou Fluminense, e Leda Nagle por “celebridade” equivalente.

O rádio exerce, até hoje, um fascínio, porque ali, meio que sem enxergar, toda bola passa raspando, todo contra-ataque é perigosíssimo e todas as equipes cariocas ganham tratamento, em nome e em espírito, no aumentativo, “golão, golão, golão…”.

Em tempos de hiperdefinição de pixels — 8K em 98 polegadas de arder a retina —, talvez fosse de se imaginar que, quanto mais o rádio se distanciasse da realidade, mais nitidez haveria na percepção do torcedor. No Rio, ao menos, a tese é alegoria e adereço. No último sábado, o “Fogão do Sydney Magal” e o “Fluzão do Pedro Bial” praticamente encenaram um episódio de Game of Thrones na semifinal do Cariocaço. Por razões distintas, Fred e Jefferson não atuaram. Responda rápido: dos 28 que passaram pelo Engenhão, quem jogaria como titular em um time realmente acertado do futebol brasileiro? Responda vagarosamente, se preferir.

E para evitar relativismos, batizemos os bois: quem, dos 28 de Botafogo e Fluminense que foram a campo no sábado, tem lugar no time titular do Corinthians (de fora da final paulista) ou do Cruzeiro (de fora da final mineira)? O mesmo vale para a semi de domingo no Carioca: dos 28 de Vasco e Flamengo (Canteros não jogou), quem emplacaria seu sacrossanto nome? Madson, talvez, com esforço.

O “Mengão da Leda Nagle” espelha o melhor retrato do futebol carioca porque, ainda que com seu time de “bons reservas” — Pará, Bressan, Márcio Araújo etc. — , orgulha-se de ser dono dos quatro maiores públicos de 2015 — à frente de qualquer partida com Corinthians ou Cruzeiro, inclusive. Os mesmos “bons reservas” que não modificam o panorama no Flu ou nos finalistas Vasco e Botafogo.

Para azar dos cariocas, a história recente mostra que o Brasileirão de pontos corridos não tende a encontrar piedade suficiente que sustente a bravata. Das 12 edições, apenas uma não teve uma equipe do Rio rebaixada ou lutando contra o rebaixamento. E a decisão do Carioca 2015 casa como fina ironia nesse aspecto: um time que há cinco meses estava jogando a Série B contra outro que disputará essa mesma Série B dentro de duas semanas. E como Vasco e Botafogo foram, de fato, melhores que os rivais nas semifinais, isso não ajuda em nada o portfólio dos derrotados.

Esta coluna é originalmente publicada às terças no Correio Braziliense

--

--

Alexandre Botão

Two decades of hardcore journalism in a past life; now Digital Media PhD candidate @ University of Porto, coffee taster and vinyl aficionado