Quem (não) queria ser?
Há coisa de 20 dias, a modelo Gisele Caroline Bündchen produziu e esmiuçou seu adeus oficial das passarelas com um hypado, e meio anticlimático, desfile na São Paulo Fashion Week. Enquanto, por aqui, novas, velhas e costumeiras mídias costuravam os highlights da carreira da moça, o britânico Dom Phillips, correspondente do Washington Post no Brasil, colhia um punhado de frases aleatórias a fim de traçar um paralelo que sintetizasse o sentimento brasileiro a respeito da aposentadoria da gaúcha de Três de Maio.
Assim nasceu Why Brazilians are really going to miss supermodel Gisele (ou Por que os brasileiros vão realmente sentir falta da supermodelo Gisele). Uma ideia que não era exatamente ruim.
A ligeiramente afetada tese de Phillips sustenta que o país vai se esgoelar sem Gisele Bündchen porque Gisele é “o Brasil como o Brasil gostaria de ser visto”. Loura, magra, podre de rica e descomunal, certo? Quase. Ele não usa exatamente essas palavras; prefere “pontual”, “bem educada” e “um investimento seguro”. E eis a primeira prova de que o jornalista inglês conhece pouco o brasileiro, mesmo morando aqui há quase uma década. No fundo, optaríamos fácil por “louro, magro, podre de rico e descomunal” em detrimento de “pontual” ou “bem educado”, sem nem considerar alternativa, se nos fosse dada tal poção mágica.
Mas o problema do texto do Washington Post nem é esse. O fato de Gisele Bündchen ser, realmente, “o Brasil como o Brasil gostaria de ser visto” não trata de uma característica do brasileiro. Trata do ser humano. Qualquer nação do planeta prefere ser identificada como um ícone de sucesso inconteste, ainda que, em 110% dos casos, ele represente exceção e não regra. Os Estados Unidos adorariam ser vistos como Angelina Jolie — todos os itens de série atribuídos a Gisele, mais os opcionais da filantropia e da família multirracial e cosmopolita. A Inglaterra, berço do jornalista do Post, ficaria plenamente satisfeita em ser retratada como Paul McCartney. Na verdade, toparia até Audrey Hepburn, embora ela seja belga.
Claro que com Gisele, Angelina e — apelação — Audrey Hepburn, essa sensação de pertencimento parece óbvia demais. Aplicada aos 93 mil torcedores presentes ao Camp Nou na semifinal da Champions League entre Barça e Bayern, amanhã, há menos certezas. Até junho de 2012, todos os blaugranas, exceção zero, adorariam ser vistos como Pep Guardiola, tricampeão da Liga dos Campeões (uma como jogador, duas como técnico). Mas nesta quarta, ele está do lado “errado”. É a Gisele “desfilando” com as cores da Argentina. O modelo-vivo não espelha Guardiola, treinador do Bayern, e sim Luís Enrique, que nem catalão é.
Guardiola — deságua em lamúrias a cidade de Barcelona — seria escolha mais sensata. Na tal “frieza dos números” e em qualquer outra temperatura, um profissional infinitamente superior. Nos dois clubes que treinou (fora a equipe B do Barça), alcançou 79,3% de aproveitamento médio. Luís Enrique, com três equipes (excluindo também o Barcelona B), mal passou de 58%. Pesa contra o espanhol de Gijón o péssimo retrospecto na Roma e no Celta (46% e 43%, respectivamente), os empregos anteriores.
Parte de Guardiola até sabe disso. A outra parte se incomoda com um detalhe. Luís Enrique completa um ano no cargo daqui a duas semanas com currículo melhor à frente da equipe que importa. Como técnico do Barcelona, ele chegou a 87% de aproveitamento nestes 11 meses e meio. Guardiola, nos quatro anos em que treinou o time, estacionou em 78,7%. Tem um momento em que todos queremos ser vistos como Gisele. Até Guardiola.
Esta coluna é originalmente publicada às terças no Correio Braziliense